domingo, 4 de dezembro de 2011

tema: Mãe Menininha




Mãe Menininha do Gantois OLORUM QUEM MANDOU...
Filha de Oxum, a orixá que veste amarelo-ouro, dona do sábado, dos raios e dos trovões, da beleza e do dengo, da feminilidade e da vaidade, das águas doces e do amor... Ufa! Isso já bastaria para fazer dessa baiana uma mulher gloriosa. Mas todos garantem que Oxum a escolheu como filha predileta

POR OSWALDO FAUSTINO

ARQUIVO/ AGÉNCIA O GLOBOFadas madrinhas de artistas, políticos e também das pessoas mais humildes, as ialorixás são as sacerdotisas afro-brasileiras. Uma delas em especial, Mãe Menininha do Gantois, entrou para a galeria de personalidades brasileiras do século 20, graças principalmente à legião de notáveis que procuravam os conselhos e as bênções dela.
O Ilê Lá Nassó, ou Casa Branca do Engenho Velho, com cerca de 300 anos, é o mais antigo terreiro da Bahia. Em meados do século 19, Maria Júlia da Conceição Nazaré saiu dessa casa e fundou o Ilê Iya Omin Axé Iyamassê, que ocupa um terreno em Salvador arrendado de um francês (ou belga) de sobrenome Gantois. A bisneta, Maria Escolástica da Conceição Nazaré, nasceu em 1894 com a missão de dar continuidade à história desse terreiro.
A compleição física franzina e a timidez motivaram o apelido que acompanhou para o resto da vida essa Menininha, cujo imaginário infantil já era dominado pelo candomblé. Biógrafos garantem que a diversão preferida dela era fazer bonecos com folhas de bananeira, sementes e frutas, e chamálos de Xangô, Oxóssi, Ogum e com os nomes dos demais orixás. Quando era bem pequena sonhou que uma menina de cabelos dourados a convidava para, juntas, jogarem búzios na areia. Era o chamado. Anos depois, revelou: "Quando os orixás me escolheram não recusei, mas balancei muito para aceitar". A tia-avó, Pulchéria, a iniciou nos rituais nagôs e nos segredos para comandar o funcionamento daquela casa de santo. Isso só aconteceu a partir de 1924, quando Menininha tinha quase 30 anos. Antes disso, ela dividia o tempo entre as atividades religiosas e o trabalho em um ateliê de costura.
Repressão na "cidade-fé"
Salvador poderia ser chamada de "a cidade-fé". Além das 365 igrejas católicas - uma para cada dia do ano - e incontáveis templos de outras religiões, é a terra onde as sementes do candomblé deram mais e melhores frutos. Isso sempre incomodou a aristocracia baiana, que considerava perigosas as reuniões de negros e mestiços e o fortalecimento de uma cultura diferente da européia. Por isso, nas primeiras décadas do século 20, a repressão policial aos terreiros não conheceu limites.
Sem conseguir acabar com as casas de candomblé, os legisladores resolveram enquadrar essa religião na Lei de Jogos e Costumes. Os rituais deviam encerrar às 22 horas. Uma única denúncia bastava para policiais invadirem os terreiros, furarem atabaques, baterem nos fiéis e quebrarem tudo o que encontrassem.
Isso não aconteceu no Gantois. O jeito de Mãe Menininha, a tranqüilidade e o compromisso dela com a ancestralidade acabaram comovendo e convencendo até mesmo o delegado-chefe. Ele próprio se tornou um devoto fervoroso e ajudou ialorixás e babalorixás nas ações que, na década de 70, puseram fim às restrições. A liderança de Menininha, porém, não foi gratuita, nem uma concessão de ninguém. Deveu-se principalmente à dedicação ao Gantois, aos conhecimentos e aos fundamentos revelados pela antecessora, Mãe Pulchéria, ao espírito incansável, à generosidade e, claro, a uma mãozinha de Oxum. A tradição africana é de que a sabedoria equivale ao tempo de vida. E ela tinha apenas 29 anos quando se tornou ialorixá. Enfrentou desconfiança, fez pé firme e conquistou o respeito da cúpula do candomblé baiano.
"Cercada de ricos e poderosos, nunca deixou de amparar os humildes. Em seu fogão a lenha, sempre aceso, nunca faltava uma chaleira de água para fazer café e panelas de comida para alimentá-los"

Modernidade e popularidade
Segundo Cid Teixeira, professor da Universidade Federal da Bahia, Mãe Menininha interferiu também na religião, quebrando o conservadorismo reinante: "Ela modernizou o candomblé, sem permitir que ele se transformasse num espetáculo para turistas". Foi assim que cativou os famosos, como Jorge Amado, Dorival Caymmi, Antônio Carlos Magalhães, Vinícius de Moraes, Maria Bethânia e Caetano Veloso, que iam ao Gantois pedir conselhos, proteção ou agradecer.

Graças à canção Oração para Mãe Menininha, que Dorival Caymmi escreveu em 1972, e foi gravada por ele e Bethânia, o restante do mundo tomou conhecimento da existência dessa personagem, que, segundo o baiano era, entre outras coisas "a mão doçura... o consolo da gente... a Oxum mais bonita". Contrariando os desejos da musa, a canção a transformou no alvo da curiosidade de milhares de pessoas que iam ao Gantois para conhecer a pessoa que inspirou o compositor.
Entre o trabalho e a família
Além da legião de filhas e filhos religiosos, ela também se dedicava à família, constituída aos 29 anos, quando se casou com o advogado Álvaro McDowell de Oliveira, descendente de ingleses. O casal teve duas filhas, Cleusa e Carmem. Para descansar dos rituais e leituras de búzios, ela tratava das galinhas do terreiro, caminhava pelo milharal ou cuidava da coleção de louças.
Cercada de ricos e poderosos, nunca deixou de amparar as pessoas humildes que chegavam famintas da zona rural e das periferias, ou buscavam um lugar para pernoitar. Em seu fogão a lenha, sempre aceso, nunca faltava uma chaleira de água para fazer café e panelas de comida para alimentá-los.
Foram mais de 60 anos à frente do Gantois. Mãe Menininha dialogava com representantes mais progressistas da Igreja Católica e até com ateus. Domingo, assistia à missa e comungava. Contam que também gostava de ouvir, no rádio, programas evangélicos.
Mãe Menininha deixou este planeta em 13 de agosto de 1986, aos 92 anos. Sucedeu-a a filha mais velha, Mãe Cleusa de Nanã, que morreu em 1998. Hoje a herança de Mãe Meninhinha está nas mãos da caçula Carmem, a Mãe Nenê de Oxalá. Se foi Olorum quem mandou, quem ousa negar?

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